

basílica de são clemente

Um dos mistérios das cidades muito antigas é o fato de que elas vão aos poucos sendo enterradas em camadas sucessivas, cada vez mais profundas à medida que os séculos vão passando. Sabemos que a Roma do Império está alguns metros abaixo da cidade atual, e muitas vezes a superfície moderna revela as marcas do que está abaixo. A Piazza Navona, por exemplo, que segue exatamente a forma do estádio de Domiciano, construído no século I.
Mas o exemplo mais fascinante, para mim, é a Igreja de São Clemente, que fica bem perto do Coliseu. Olhando da rua atual, a basílica do século XII já está alguns metros abaixo da rua. A fachada do século XVII não nos prepara para o que encontramos ao entrar: uma belíssima basílica do século XII, com as colunas reaproveitadas, o piso típico da época (pedacinhos de mármore reaproveitados de construções antigas formando desenhos geométricos), o coro, (schola cantorum) elemento também sempre presente nas igrejas mais antigas, aqui reaproveitado da igreja anterior, e o deslumbrante mosaico dourado na ábside, um dos mais importantes da Idade média.


Templo mitraico sob a Basílica de São Clemente
No século XIX, um padre irlandês metido a arqueólogo resolveu escavar o subsolo da igreja, e constatou-se que a basílica do século IV encontrava-se intacta, com os afrescos que contam a vida de São Clemente – um deles com a primeira inscrição de que se tem notícia em italiano vulgar – ainda visíveis.
Não satisfeito, o padre continuou cavando e chegou a um terceiro nível, este do século I, que é composto de uma casa romana onde provavelmente funcionou um local de encontro dos primeiros cristãos, uma rua estreita e um templo de uma outra religião muito difundida na época, especialmente entre os legionários, que se chamava Mitraismo. Aliás, como essa religião chegou a ameaçar de alguma forma o cristianismo, existem em Roma muitos templos Mitraicos que foram enterrados sob igrejas cristãs, num esforço deliberado de apagar a memória dessa outra religião.
Ao descer para os níveis inferiores, os leigos temos dificuldade de entender exatamente o que está acontecendo, mas ainda assim a sensação de um mergulho no tempo emociona e nos faz refletir sobre a transitoriedade das coisas.